segunda-feira, 26 de julho de 2010

noite fúcsia

Transcorria o dia sereno como a mão segura escorrendo pelos cabelos quando tocou a campanhia. Eu havia encomendado um galão d'água. Peguei o dinheiro, desci as escadas, e fui abrir a porta. Letícia?! Mas, como assim!? A gente ainda não se conhece; como pode estar aqui? Vim porque você me chamou. Não se lembra? (Mostrou-me um bilhete: Que sejam sempre vãs as filosofias enquanto há beleza escondida nas paisagens distantes que nunca acabem de satisfazer ninguém. Se é verdade não sei, mas se quiser conhecer assim mesmo (quase a si mesmo...rs) recomendo boa companhia. Desculpa medrosa parece túmulo do samba e falta de tempo parece desculpa esfarrapada. Mal mal São Paulo nasceu o Rio de Janeiro já era terreiro de baiana. Ass. Sujeito). Surpreso e feliz a convidei imediatamente para entrar. Um tanto sem jeito e meio confuso pedi que se sentasse na poltrona. Sentei-me ao lado quase sem acreditar. Quer um licor de genipapo? Na minha confusão acabei derramando licor nas suas pernas (parece coisa de filme) e (sem pensar) meti as mãos para limpar (juro que foi sem pensar). Ela, com um ar clepto, me deixou limpá-la até que me toquei. Desculpei-me. Letícia contou que a viagem foi longa. Estava cansada. Percebi que sua canseira não era somente coisa de quem muito se esforçou fisicamente. Havia algo mais. Não perguntei, nem perscrutei. Senti. Percebi que lhe faltavam a pontinha a última pena da asa esquerda e a ponta da asa direita. Não disse nada. Arranjei-lhe toalha de banho. Fiz um chá de cidreira. Arrumei uma cama bem limpa para o seu repouso.

domingo, 25 de julho de 2010

Ei! O que é isso?

Se você estivesse aqui...nossa, nem sei o que pensar...é curioso, mas, quantas vezes te imagino em minhas coisas...logo depois pondero...vêm as diferenças...me aquieto..mas depois de ler este seu último telegrama me deu uma coisa...que nem sei...coisa de preencher alma...coisa que já vivi com você...coisas simples mas intensas...como uma dança...sem querer me deu vida, sabe...e eu estou abusando mesmo pois as coisas estão muito punk por aqui...leio suas palavras...sinto amenizar o aperto no peito...é como o chão que pisei, as folhas, a água fria do valão lavando meu corpo...falo seu nome no anseio da sua presença...lembro de quantas vezes desejei você aqui comigo. Hoje fui a praia. Sol brilhante. Mar limpo. Joguei meu corpo nas ondas e me deixei levar. Nadei de volta. Deitei na areia e deixei o sol me aquecer.

A noite amena...pede um bom vinho...

sábado, 24 de julho de 2010

parte V

Carlina estava exatamente como eu a havia deixado, boneca de pano. Somente na imagem do espelho eu a pude ver mulher sedutora vestida de azul. Apaguei a luz e fui deitar-me deixando ser tomado por aquela fantasia que transformou meu quarto numa enorme tela cinematográfica. Eu já não distinguia mais o era sonho, fantasia, realidade; Carlina deitou-se ao meu lado e beijou-me. Eu poderia descrever como foi nossa noite de amor, mas vou deixá-los imaginar algo como quem não cuida mais do mundo um segundo sequer. Noite de alucinação. A menina boneca se fez carne em mim. Acordei chorando feito criança. Não entendi nada. Na lembrança eu amei Carlina em sonhos, mas ali, agora, acordo eu chorava copiosamente. Que estranho! Havia em mim um sentimento absurdo de nostalgia. Fui pra rodoviaria e comprei uma passagem pra minha cidade natal. Lá chegando fui logo até o sítio onde eu nasci. Finquei os pés na lama dos meus antepassados, o riacho onde refresquei minha infância de excessos afetivos...o cheiro do pasto, do valão, o boi, a cacimba, o pé-de-goiaba, o solo arado, a carcaça do bicho, a casa velha, maribondos, cana arrancada a mão, a água fresca lavando o meu rosto, a conversa com o primo, as flores do mato, a lembrança dos primeiros fluidos da libido, a lua, milhões de estrelas, o mesmo enigma. No cair da tarde rumei de volta à cidadezinha de Carabuçu. Ao chegar encontro um telegrama que fora enfiado por debaixo da porta - provavelmente pelo vizinho.
[ "Tão longe de tudo, tão perto do arcaico. Me diz por quê. Por que a necessidade de ir? Qual foi a mágica? Por que depois de chorar muito na festa? Pós mudança, pós baiana...

Queria estar aí com vc, vivenciar com vc a sua origem...
bjs
Carlina"]
O telegrama foi postado no Paraguai. Eu não entendi nada. O que teria acontecido? Carlina fora ao Paraguai enquanto eu viajava? Teria fugido? Como soube da festa e de baiana? Eu nada falei de festa até agora! Por que a deixei pra trás?? Bom, de qualquer forma eu estava melhor. Mais vivo por ter revivido a minha origem arcaica, e por saber que Carlina me tem amor. Amanhã vou até o litoral me banhar no mar do Espirito Santo e tomar um pouco de sol.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

parte IV

Carlina pegou uns badulaques que estavam nas gavetas, assim como uns panos da Índia, que Aurélia deixara pendurados no cabideiro quando foi embora. Fiquei por uns instantes ali olhando sua felicidade de diante do espelho. Um tanto desajeitada ela tentava achar uma composição. Eu não percebi que estava ainda só de toalha quando o sorriso maldoso de Carlina me despiu. Neste momento, se ainda havia em mim alguma intensão de dá-la ao abrigo, esta se dissipou completamente. Hesitei num pensamento que insistia em querer saber mais; havia uma convicção em mim de que se eu tentasse alguma conversa com ela tudo isso se desmoronaria e seria como se eu tivesse acordado de um sonho. Mas, o que fazer? Esperar simplesmente o desenrolar dos fatos? Sempre fui um homem de atitude. Mesmo quando isto não redundava em vitória preferia sempre arriscar do que esperar as coisas acontecerem. Mas, nunca me achei diante de situação tão inusitada, e o ar fantástico que aquilo tudo suscitava não diminuía em nada a expectativa que crescia em mim; como geralmente ocorre quando saio com alguma garota que ainda não tenho muita intimidade. No dia seguinte, logo pela manhã, tive a impressão de que tudo não passava de um sonho, mas, quando cheguei à cozinha encontrei café pronto, pão comprado, leite e um pedaço de queijo branco sobre a mesa. Sentada, com um espelhinho apoiado nos joelhos, Carlina estava rotocando a maquilagem. Já havia mudado a sombra verde para uma cor rosada, baton suavemente lilás. Nas bochechas passara um pouco do mesmo baton e espalhou com o dedo. Delineou de preto os olhos e soltou os cabelos ruivos. Vestia numa camisolinha de cetim azul claro. Quando me aproximei...

quinta-feira, 15 de julho de 2010

parte III

Dobrei a carta e a coloquei de volta no envelope. Olhei Carlina em cima da cama e pressenti-lhe um desejo. Ela parecia tentar se ver no espelho. Temi algo, mas não sabia exatamente o quê. Era forte a imagem daquela boneca tão viva depois de tudo que lhe ocorrera. Ajeitei-lhe o vestido que deixava suas pernas a mostra. Senti uma ponta de vergonha por estar com Carlina no colo. Vou dá-la para alguma menina. Neste momento toca o telefone. Coloco Carlina sobre a penteadeira. Sr. Vinícius? Sim. Aqui é do Abrigo das Meninas. Estamos ligando para saber se o Sr. teria algo a ofertar à Instituição, pois, haverá uma festividade e estamos recolhendo donativos. Meu coração veio à boca. Eu sou um sujeito meio cético. Não cultuo coisas místicas e tenhho alguma resistência em acreditar que haja relações transcendentes ocultas no cosmos. Para mim vivemos no caos. Tudo é coincidência. Mas aquilo foi demais! Eu estava exatamente pensando em algo assim quando alguém telefona? Tomei nota do endereço do Abrigo. Quando volto os olhos para Carlina percebo claramente que ela estava sentada diante do espelho. Eu não me lembro de como a coloquei na penteadeira. Ah! Estou vendo coisas, mas, continuava intrigando-me aquela carta. Quem a teria escrito? Pensei em algumas possibilidades. Menos na que de poderia ser a própria Carlina quem a escreveu. Eu devo estar trabalhando demais. Estou muito sensível e por demais imaginativo. Vou descansar um pouco. Enquanto tomava banho tive a nítida impressão de ouvir alguém cantando. Fechei o chuveiro. Nada. Abri. De novo. Tentei entender qual era a música. Não é possível! Eu ouvia quase nítido. Estou reconhecendo. É Ontem ao Luar, do Catulo da Paixão Cearense. Mas de quem era essa voz. Que coisa mais linda! Era Carlina. Deixei-a cantar até o final. Senti um sufoco no coração e um aperto na garganta. Fechei a água. A música cessou. Enrolei-me na toalha. Fui pé a pé até o quarto. A porta estava entreaberta. Lentamente fui empurrando. O ranger das dobradiças fazia aumentar o suspense. Vi, pelo reflexo do espelho...

terça-feira, 13 de julho de 2010

je suis amoureuse!

                                              parte I

 Acho que os lixeiros estavam em greve quando eu andava pelo centro da cidade e sem querer chutei-a. Ela deslizou por uns dois metros - eu andava apressadamente - indo parar perto do bueiro, cuja tampa havia sido retirada (talvez para servir de churrasqueira).
   Ela tinha um colar de miçangas coloridas no pescoço, uma jardineira amarela, fitas nos cabelos, sapatinhos pretos, e, nos olhos, sombras verdes. Seus cílios pretos eram grandes feito asas de beija-flor.
  Quase caiu naquele buraco imundo! Mas eu corri com muito sentimento, tomei-a em minhas mãos. Limpei um pouco a sujeira que não estava encardida - tive que dar uns tapinhas para tirar o pó. Foi quando percebi que Carlina sorria.
   Seu nome bordado no peito do vestido fazia destacar-se pela cor-de-rosa. Fiquei envergonhado quando me dei conta que estava observando os seus lábios vermelhos (ela não me parecia ter menos de dezoito anos).
  Olhos verdes! Vocês me perseguem? Acolchoei um canto da minha pasta e a acolhi naquele ninho como fazem aqueles que gostam de filhotes. É muito sutil o amor.
   Enquanto caminhava em direção ao terminal de ônibus, já vagarosamente, pensei no que poderia ter acontecido a ela para estar jogada daquele jeito junto ao lixo da cidade. Não havia marcas de alguma violência em seu corpo; pelo menos nas partes visíveis (eu não ousaria verificar no todo, ali, aos olhos dos passantes).
   Percebi em mim uma grave mudança no ritmo do meu coração. Ele batia descompassado. O sangue corria mais lento na medida em que no meu caminho fui observando aquelas vidas que se acotovelavam a procura de algum espaço para dormir nas calçadas e cantos da praça, recorrendo apenas a alguns pedaços de papelão. Alguns tinham uma peleja que mais parecia vinda de uma guerra.
   Carlina estava sem nenhuma proteção. Jogada mesmo ao solo. Uma perna dobrara-se sobre a outra; o chão no rosto. Corri para apanhá-la, estranho, não parecia sofrer quando olhei em seus olhos. Meu Deus! Eu tinha palavras que me significasse aquela visão? Meu Deus?
   Tratei de fazer o que pude para reconduzir as coisas minimamente aos seus lugares. Aos seus lugares cada coisa! Todos se encaminhem aos seus, pois não houve nada aqui; apenas um fato fez parar o ritmo do mundo? E segui em frente com a imagem dos olhos de Carlina grudada em minha cabeça.
                                                  
                                            parte II

   Ao chegar em casa percebo na parte interna da minha pasta um envelope de carta subescrito "Estranho", de próprio punho, letra feminina. Coloquei Carlina sobre a cama sem perceber que havia em seu vestido um rasgo deixando a mostra boa parte de suas pernas. Agilmente abri o envelope e li:

“Senti que depois de ser tão amada pra nada mais serviria. Tinha um nome em meu vestido, era como a minha dona me chamava, ela mesma havia costurado em meu vestido, lembro-me do dia em que eu fui dada a ela, sempre estava em seus braços em todos os momentos do dia.

Os anos foram se passando, ela foi crescendo e esquecendo que eu existia aos poucos. Um dia quando acordei vi que não estava na cama dela, olhei a minha volta e estava em uma caixa, nela havia muitos como eu. Simplesmente perdidos, sem saber o que fazer… Eu sei que fazia tempo que eu não era abraçada por ela, a minha roupinha já estava empoeirada, mas não pensei nunca que eu deixaria de ser a bonequinha preferida dela, ela me trocou por uma boneca de plástico… uma daquelas bem delineadas, simétricas, pintadas com precisão… e eu uma simples bonequinha de pano.
Talvez eu realmente mereça estar em um caixote de papelão junto com essas coisas e esses brinquedos rejeitados. Será que todos os humanos são assim mesmo? É, devem ser mesmo, eles enjoam uns dos outros, por que não enjoariam de uma bonequinha de pano?
Qual será o meu destino?
Sinto pingos a me molhar, sinto que pode ser meu fim, ouço um barulho forte, acho que são humanos passando, será que é agora…
NOSSA….
(tudo está rolando…)
Os brinquedos estão ainda dentro da caixa, algumas folhas estão espalhadas pela rua… ai… acho que vou cair no buraco…
O moço me segurou, limpou a poeira de meu vestidinho - ele me fitava com aqueles olhos que me intrigam… pensei eu: “mais um humano que quer brincar comigo”
Mas ele me olhava com um olhar diferente, um olhar misterioso; parecia ver o que meus olhos queriam lhe mostrar, que apesar de não aparentar, eu estava machucada, apesar de meu sorriso, eu estava em migalhas…
Mas eu finalmente estava segura? Será que ele veio pra me resgatar mesmo?”


                                                          Carlinda
(http://cabecadeborboleta.blogspot.com/)

domingo, 11 de julho de 2010

Enquanto odeio te amar

Faço-lhe uns versos bêbados
Com ódio do seu amor
Depuro que assim
Com muito rancor
Me enveneno por ti
Prolongando essa dor
Gozo na tua falta
Fico no teu amor
Até que alguém me tome olhar
e me permita o descanso no prazer.
Assim, não precisarei mais da agenda do msn;
das solidões dos bares; da esperança de que toque o telefone;
do acaso enquanto ando pelas ruas, entro nas lojas, paro nos jornaleiros.
Enquanto odeio te amar estou cheio de vida, cheio de desejo de nunca mais te amar.

sábado, 10 de julho de 2010

atravessa a tela...

Que corpo é este que tanto resiste ao meu toque? Que corpo tão atravessado por palavras que chega a confundir desejo com pulsão? Que força manifesta é essa fazendo barreira ao delicado que faz partir toda dor e te deixa tão rígida? Será também palavra que vai te fazer permitir a minha entrada pelos seus poros?

De olhar, de tanto querer, já me fiz cinema...e você, só, assiste ao meu enredo e lê a minha imagem, mas, não atravessa a tela.