quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O LIVRO - 1ª página

Ele tem um nome, mas, não importa, vamos chamá-lo de ele. Depois da Carta, fez as malas e viajou para uma cidade do interior, sua cidade natal. Hospedou-se num hotel barato porque seu dinheiro era curto. Um quarto sem banheiro, cama, tv, cobertor, algum mofo nas paredes amarelas, uma janela por onde se avistava uma mangueira com frutos. Demanhã café farto. Enfarto no peito. As letras pipocando na tela do netbook. Chovia triste. Alguns pássaros cantam. Certeza de nada. Nada corroia. Uma vontade de virar livro. Olhou invejoso para Grande Sertão estendido sobre a cama. Na pasta, Deleuze e Goethe. Escreve algumas frases sobre si e em seguida as apaga com um sentimento de que não queria contar sua própria história como se fosse uma crônica autorreferente. A quem interessa saber seus problemas emocionais, sexuais, amorosos? Então, imaginou algum tema que pudesse levá-lo pra dentro do livro. Assim como fez  Clarice perto do coração selvagem. Mas aí seria a história de um personagem qualquer servindo como representante do autor. Não era bem isso que desejava. Ele não queria contar uma história, não queria fazer crônica, ensaio, declaração, narração, descrição, nada disso. Queria virar livro. Não poderia ser nenhum roteiro. Nem diálogo. Também não lhe era simpática a ideia de fazer uma espécie de teoria. A linguagem jornalística lhe era até atraente, mas não queria persuadir ninguém a nada. Nada de poesia. Nem filosofia. Mas tinha que ser um livro. Não desses de fotografia, gravuras, ou enciclopédia. Nem mesmo algum vocabulário. Alguém já havia escrito um livro de citações. Nenhum resumo de nada. Nenhuma resenha. Tese alguma. Somente um livro. Não sobre música, nem de cifras, tampouco sobre qualquer método que ensine qualquer coisa. Um livro que fosse comentários sobre cinema, teatro, literatura, cultura em geral, não. Blog, não. Resenha sobre os principais pensadores do século, jamais. Catálogo de viagens, nem pagando. Mapas, gráficos, bulas, panfletos, folders, nem morto. Qualquer propaganda estava fora de seu objetivo. Nem mesmo o simpático escrito de cordel. Os monumentais livros de arte. Os dicionários. Os cadernos. Nada disso. Nada de mídia alguma. Fechou o netbook e saiu pra dar uma volta.

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